quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Primeiro voto do TRF1: autorização e licença ambiental para Belo Monte são invalidas

Desembargadora do TRF1 desqualifica a autorização do Congresso e a Licença Ambiental para a construção de Belo Monte, afirmando que não houve consulta prévia junto às comunidades indígenas afetadas.
‘É de nenhuma eficácia a autorização emitida pelo parlamento’. Com essas palavras a desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, desqualificou o Decreto Legislativo nº 788/2005 do Congresso Nacional que autorizou a construção da usina de Belo Monte, no rio Xingu (PA). Ela considerou igualmente inválido o licenciamento ambiental de Belo Monte.
Falta de consulta
No julgamento de ontem, 17 de outubro, estava em pauta a Apelação Civil do Ministério Público Federal do Pará (MPF/PA) contra decisão em 1ª instância numa das treze Ações Civis Públicas questionando o processo de Belo Monte (processo nº 2006.39.03.000711-8/PA).
Num voto elaborado e denso, a desembargadora acatou a maioria dos pontos apresentados pelo MPF/PA, sendo o argumento mais importante o fato de as comunidades indígenas afetadas pela usina de Belo Monte não terem sido consultadas a respeito, conforme mandam a Constituição Federal e tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2004 (Decreto nº 5.051/2004).
Ela não deixou dúvidas sobre a necessidade das oitivas: ‘A Constituinte prescreve que sejam ouvidas as comunidades indígenas afetadas. Para protegê-las.’ Em seu voto, a Dra. Selene reafirmou o posicionamento já adotado pelo TRF1 quando da primeira avaliação da matéria, em 2006.
Falso argumento
A defesa da Eletrobras argumentara que as oitivas indígenas não seriam necessárias, porque a usina não seria construída no interior de terras indígenas e nem inundaria terras indígenas. Selene de Almeida foi enfática a desmascarar esse falso argumento. ‘A colocação fora das terras indígenas é irrelevante para a questão’. Citando vários relatórios - do Ibama, da Funai, do Painel Independente de Especialistas e o próprio Estudo de Impactos Ambientais (EIA-RIMA) - ela concluiu que os impactos para os povos indígenas da região serão drásticos, ao ponto de ameaçar a sua sobrevivência física e cultural. ‘Não perder território pela usina ou pela inundação não quer dizer que não sofrerão impactos. É impossível dizer que não serão impactados. O aproveitamento hídrico impactará gravemente as comunidades indígenas’.
Citando trechos relevantes da Constituição, como o artigo 321, ela explicou que o dever do Estado é proteger os povos indígenas e seus recursos naturais. ‘Isso é a regra geral da Constituição’. O direito à consulta prévia contribui para essa proteção. Por isso, não se pode entender o artigo referente às obras ‘em terras indígenas’ no sentido estrito, ao pé da letra. ‘Entender o artigo como limitado a ‘dentro da área’ significa expor as comunidades a perigo, a uma agressão à sua própria sobrevivência’. Isto é, a perigo de empreendimentos fora de suas áreas que causem impactos em seu interior.

A Dra. Selene também enfatizou que ‘A consulta é prévia à decisão sobre a autorização. Serve para subsidiar a decisão política sobre a obra. Não se autoriza uma obra para depois fazer a consulta sobre essa decisão. Para nós está claro que a autorização depende da anuência das comunidades afetadas, a pena de tornar letra morta a própria Constituição’.

Em outras palavras, a consulta prévia não pode ser uma mera formalidade para legitimar uma decisão já tomada: ‘A consulta é ouvir as comunidades afetadas para condicionar a decisão. Não é apenas uma recomendação’.
Reuniões e audiências não são oitivas
A desembargadora concordou que a Funai e o Ibama têm realizado muitas reuniões junto às comunidades indígenas e quatro audiências públicas na região de influência de Belo Monte. Concordou inclusive que essas reuniões já são um passo à frente, em comparação com a execução de outras tantas grandes obras, nas quais a população impactada sequer foi informada. Ainda assim, tais reuniões e audiências não podem ser consideradas como ‘consultas prévias’ ou ‘oitivas indígenas’: ‘Essa reuniões tinham o caráter de informar sobre a decisão tomada, foram reuniões técnicas. A consulta não é uma simples reunião, mas é um processo de negociação, o início de um diálogo’.
Responsabilidade do Congresso
Para a desembargadora, Funai e Ibama não podem realizar oitivas indígenas tal como constitucionalmente preconizado, pelo simples fato de que a sua realização é uma atribuição do Congresso Nacional, que não pode delegá-la a órgãos do Executivo. Em outras palavras, a responsabilidade é diferente por princípio: é uma competência exclusiva do poder Legislativo (Congresso) e não do poder Executivo (governo).

A desembargadora concluiu com a recomendação para que se desenvolva um sistema de consulta prévia, livre e informada no país - conforme as regras nacionais e internacionais - ‘antes que se torne rotineira a construção de hidrelétricas e outros empreendimentos na Amazônia’.
Em seguida ao voto da desembargadora Selene Maria de Almeida, o desembargador Fagundes de Deus pediu vista do processo, anunciando que apresentará seu voto em, no máximo, quinze dias. A desembargadora Maria do Carmo Cardoso não adiantou seu voto.
Reconhecimento
Felício Pontes, procurador do MPF/PA que acompanhava o julgamento, ficou satisfeito com o voto positivo da desembargadora Selene. "O voto foi brilhante, extremamente denso, recuperando todos os elementos que temos apresentado ao longo dos anos. É um reconhecimento de doze anos de trabalho! A desembargadora reconheceu que os impactos de Belo Monte sobre a população indígena seriam terríveis e que os indígenas não foram consultados a respeito, que isso é uma falha extremamente grave, que invalida o processo de licenciamento de Belo Monte. É um bom começo. Agora é importante que o julgamento seja retomado o mais rápido possível", afirmou.

Fonte: CIMI

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