domingo, 23 de outubro de 2011

NOTA DA COMISSÂO DE ASSUNTOS INDÍGENAS


20/10/2011
A ABA vem, por meio desta, manifestar sua preocupação diante dos processos judiciais que envolvem o povo indígena Xukuru do Ororubá e que têm se desdobrado na criminalização das suas lideranças e no cerceamento dos seus direitos.
Através da Comissão de Assuntos Indígenas e da Comissão de Direitos Humanos, a ABA tem acompanhado o processo de regularização fundiária do território Xukuru e os fatos a ele relacionados ao longo dos últimos 20 anos. As dissertações e teses produzidas sobre os Xukuru e os diversos documentos, como relatórios técnicos e laudos produzidos por antropólogos, apresentam a gravidade da situação. O conflito e a tensão são, marcadamente, as principais características observadas nesse percurso e que vêm se concretizando através de reiteradas investidas contra os direitos indígenas, desconsiderando os princípios estabelecidos pelos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos: da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e da Convenção 169 da OIT, dos quais o Brasil é signatário, e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Além disso, esse quadro de violações fere os princípios constitucionais de autonomia e livre determinação dos povos indígenas, também reiterados em todas as versões do Programa Nacional dos Direitos Humanos.
Até o momento são contabilizadas 06 pessoas assassinadas, sendo 05 indígenas e um procurador da FUNAI. Dentre elas, o cacique Xicão Xukuru, liderança proeminente no cenário nacional, que foi morto em 1998. Todas as pessoas assassinadas estavam diretamente ligadas à histórica luta do povo Xukuru pela garantia do seu território tradicional. Isso nos leva a crer que os crimes foram praticados como forma de impedir o avanço das reivindicações indígenas.
Dentre os vários problemas identificados, estão aqueles apresentados pela Comissão constituída através de Resolução do CDDPH de 20 de março de 2003, que aponta importantes fatos presentes no decorrer das investigações das mortes do cacique Xicão (1998), da liderança Chico Quelé (2001) e do atentado sofrido pelo atual cacique Marcos Xukuru (2003), que resultou na morte de outros dois índios, Nilson e Nilsinho. Dentre as várias constatações, a Comissão Especial destaca que, da condição de vítimas, os indígenas têm sido colocados na situação de réus; que não houve apuração adequada dos fatos sob investigação (motivação para o crime); que há preconceito contra as lideranças indígenas; que o papel e a credibilidade das testemunhas não são ponderados num ambiente reconhecidamente de polarização e suspeição.
No momento, a ABA coloca em destaque o processo nº 2006.83.02.000366-5, que se refere à ação penal por “crime de violação de domicílio, dano e incêndio”, decorrente do ocorrido em 07 de fevereiro de 2003 na terra indígena Xukuru, localizada em Pernambuco, nordeste brasileiro. Nessa data, o cacique xukuru Marcos Luidson foi vítima de uma tentativa de assassinato dentro do seu território tradicional; em conseqüência, foram mortos dois índios que o acompanhavam e identificado como responsável pelos disparos outro índio Xukuru integrante de um grupo opositor ao cacique. Indignada com as mortes e a referida tentativa, a população indígena da aldeia de Cimbres se voltou contra um grupo de famílias Xukuru ligadas ao assassino; casas e carros foram destruídos e tais famílias foram banidas do seu território. O Ministério Público Federal em Pernambuco denunciou 35 (trinta e cinco) pessoas por estarem envolvidas no evento. Em maio de 2009, os denunciados foram condenados a penas que variam de 13 anos a 10 anos de reclusão, além de vultosas indenizações em dinheiro. Tal sentença é decorrente do desmembramento dos inquéritos, excluindo o cacique Marcos Luidson da condição de vítima, e o considera agente provocador no processo em que se investiga, precisamente, o atentado contra a vida daquele; no inquérito sobre as destruições, é o cacique indiciado e sua condição foi agravada em virtude de ter sido condenado à prisão pela suposta prática de crimes, sem uma análise isenta e contextualizada dos acontecimentos que resultaram na destruição de casas e carros do grupo dissidente.
Pelos relatos colhidos dos indígenas e dos seus advogados, as recomendações da Comissão Especial designada pelo CDDPH às autoridades responsáveis pela investigação policial e judicial desse caso não foram seguidas, o que pode gerar graves danos aos direitos individuais e coletivos aos diretamente acusados, mas, igualmente, sujeitar o Brasil a questionamentos junto aos órgãos internacionais de proteção dos direitos humanos.
Ressaltamos que há, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA processo em aberto, aguardando juízo de admissibilidade perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em que se investigam diversas violações aos direitos humanos do povo Xukuru, em decorrência da demora injustificada do Estado brasileiro em concluir o procedimento de regularização da terra indígena Xukuru.
Para a ABA, somente  uma investigação isenta, livre de preconceitos e juízos prévios sobre a conduta dos acusados poderá produzir um processo judicial que assegure não apenas o pleno exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana, mas, igualmente, o respeito ao culturalmente diverso. Trata-se do reconhecimento e do respeito à diversidade étnica e cultural determinados pela Constituição Federal de 1988, sendo dever do Poder Judiciário dar eficácia plena ao texto constitucional, interpretando as normas infraconstitucionais em conformidade com a Magna Carta.
Nessa perspectiva, o encarceramento de lideranças indígenas importantes, reconhecidas nacional e internacionalmente, representa uma medida extrema que atinge não apenas os direitos individuais dos diretamente acusados, mas  a toda a coletividade indígena, uma vez que se verá impossibilitada de contar com a participação efetiva dos responsáveis pela manutenção da unidade do grupo (vide importante documentação e análises contidas no recente livro Plantaram Xicão: Os Xukuru de Ororubá e a criminalização do direito ao território. Vânia Fialho, Rita de Cássia Maria Neves e Mariana Carneiro Leão Figueiroa (organizadores). Manaus, PNCSA, UEA Edições, 2011). Tais lideranças também atuaram e atuam como defensores dos direitos coletivos do grupo junto ao Estado brasileiro e à sociedade nacional.
Por essa razão, a Convenção 169 da OIT orienta os Estados signatários desse diploma internacional a adotarem outras medidas de punição aos membros de populações tradicionais que não o encarceramento:
Artigo 10
1. Quando sanções penais forem impostas pela legislação geral a membros desses povos, deverão ser levadas em conta suas características econômicas, sociais e culturais.
2. Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o encarceramento.  
Diante do exposto, esta Associação, preocupada com as medidas que vêm sendo tomadas pelas instituições responsáveis pela averiguação dos casos e pelos encaminhamentos que estão sendo adotados, vem requerer:
1. Ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH/Secretaria de Direitos Humanos/Presidência da República: os procedimentos necessários à investigação das denúncias das graves violações aos direitos humanos sofridos pelo povo indígena Xukuru, inclusive  já denunciados pelas organizações indígenas e indigenistas;
2. À Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) para conhecimentos dos fatos e adoção das medidas que entender necessárias.
3. Ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região a revisão do processo nº 2006.83.02.000366-5, a fim de garantir os direitos fundamentais do povo Xukuru e de suas lideranças. Trata-se de respeitar princípios básicos nos procedimentos, especialmente a realização de perícia antropológica no âmbito criminal para melhor contextualizar esses acontecimentos e propiciar outros elementos que auxiliem  no julgamento desse caso.
Brasília, 29 de setembro de 2011

Licenciatura Indígena Teko Arandu forma primeira turma no sábado, dia 22


No próximo sábado, dia 22 de outubro, cola grau a primeira turma da Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). A colação será às 10h, no auditório da Unidade II, na tenda Aty Guasu Oikahatype. 

As homenagens da turma são para o professor Dr. Levi Marques e Nelson Batista, escolhidos como paraninfos, ao professor Damião Duque e Tereza Espíndola, que são os patronos e ao professor Dr. Renato Gomes Nogueira, que dá nome a turma. 

O curso, iniciado em 2006, tem habilitações em Linguagens, Matemática, Ciências Sociais e Ciências da Natureza. Os trabalhos de conclusão de curso apresentados pela turma abordam temas voltados para suas comunidades, como forma de aliar os conhecimentos adquiridos na universidade às vivências e práticas da realidade sociocultural Guarani e Kaiowá.

Formandos:

Adão Benites, Adriano Morales, Claudemiro Pereira Lescano, Delfino Borvão, Edson Alencar, Edvaldo Nunes, Eliel Benites, Eliezer Martins, Elizabete Fernandes, Enoque Batista, Geraldo Carlos, Ifigeninha Hirto João, Ilda Barbosa, Iracy Lima Benites, João Carlos Vilhalva Mota, Joaquim Adiala Hara, Jonatas Duran, Katiana Carvalho, Ládio Veron, Léia Aquino, Lídio Ramiris,
Maciel Cáceres, Marcilene Lescano, Maria de Lourdes Nelson Cáceres, Marlene de Almeida, Natanael Vilharva Cáceres, Nilton Ferreira Lima, Osmar Marques, Otoniel Ricardo, Renata Castelão, Rodinei Ramires Marques, Rosenildo Barbosa de Carvalho, Sergio Velário, Tomas Vera, Udo Pires, Valdelice Veron, Valentim Pires, Vicente Morales e Zenildo Lopes.
 
Confira o convite, em anexo.

CONTRIBUIÇÃO P/ ATY (ASSEMBLEIA) GUARANI


Car@s, ainda sob o impacto da morte de mais uma pessoa do acampamento do Ypo'i, segue mensagem do Eliseu, para quem quiser contribuir (com qualquer quantia que seja) para a realização da reunião dos Kaiowa e Guarani em MS.
Seria bom também repassar a conhecidos que possam ajudar. Por favor, leiam até o fim.

Um abraço,
Alexandra
ESTAMOS ATRAS DO RECURSO EU E TONICO AQUI EM BRASILIA. PARA RELIZAR ATY GUASU´I, EM NOSSA REGIÃO, GUARANI KAIOWÁ. ESTOU ENVIANDO A MINHA CONTA. [AG 0743-9 ] [CONTA POUPANÇA 55.889-3] BANCO DO BRASIL. NÓS ESTAMOS ATRÁS DA FUNAI TAMBÉM PROCURANDO O APOIO DELA,E SABEMOS QUE ESTÁ DIFICIL. ESTAMOS TAMBÉM PROCURANDO APOIO ALÉM DA FUNAI, COM OUTROS PARCEIROS E APOIADORES PARA REALIZAR ESSE ATY´I URGENTE NO MATO GROSSO DOS SUL. PRECISAMOS MUITO DE REALIZAR ESSA REUNIÃO COM NOSSAS LIDERANÇAS DA BASE E COM NHANDERU. PARATRATAR ASUNTO QUESTÃO DA TERRA, AMEAÇA E VIOLENCIA. QUE JÁ NÃO AGUENTAMOS MAIS VER A NOSSA COMUNIDADE MORRER PELO SEU DIREITO. NÓS ESTAREMOS LUTANDO ATE O FIM PELO QUE É NOSSA TERRA. NEM QUE SEJA POUCO RECONHECIDA, MAIS ESPERANÇA NÓS NÃO VAMOS PERDER. ASSIM AGUARDAREMOS A COLABORAÇÂO DE VÁRIOSPARCEIROS QUE QUEREM COLABORAR COM A NOSSA LUTA E REIVINDICAÇOÊS. ESSE ATY GUASU´I, DE QUALQUER FORMA VAMOS REALIZAR SIM, NO DIA 08/10/2011. AGUARDAMOS COLABORAÇÃO DE TODOS.
ELIZEU GUARANI DO ATY GUASU GRANDE ASSENBLEIA GUARANI KAIOWÁ. MATO GROSSO DO SUL.

Saúde divulga resultado final das entidades selecionadas para execução de ações em saúde indígena


Convênios atenderão cerca de 650 mil indígenas que vivem em 4.774 aldeias, no país 
O Ministério da Saúde publicou, no último dia 27, o resultado da seleção de entidades privadas, sem fins lucrativos, interessadas em executar ações complementares de atenção à saúde indígena. As entidades que atenderam aos requisitos do chamamento público e estão aptas a apresentarem plano de trabalho são: Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), Missão Evangélica Caiuá e Instituto de Medicina Integral (Imip).
A partir do dia da publicação, as entidades terão o prazo de 15 dias, para apresentarem plano de trabalho para atuação no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) escolhido no ato da inscrição. No plano de trabalho, as entidades desenvolver ações complementares na atenção integral à saúde da mulher indígena, atenção integral à saúde da criança e do adolescente indígenas, atenção integral à saúde bucal indígena, vigilância à saúde indígena, incentivo às práticas de saúde e medicinas tradicionais indígenas, prevenção de morbidades decorrentes do consumo de substâncias psicoativas, apoio ao funcionamento das Casas de Saúde do Índio (CASAI), desenvolvimento de estratégias para a promoção do uso racional de medicamentos.
Além disso, o plano deve contemplar ações de monitoramento da qualidade do sistema de abastecimento de água, elaboração de projetos e acompanhamento das obras e dos serviços de edificações e saneamento ambiental, apoio ao fortalecimento do controle social na saúde indígena e apoio ao processo de educação permanente para os trabalhadores do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS). 
“Agora a Sesai assume a gestão integral de pessoas no Subsistema. Esse é mais um passo para a consolidação da transição das ações de saúde indígena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para a Sesai”, afirmou o Secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves de Souza.
ÁREA DE ATUAÇÃO: O DSEI é a unidade responsável pela gestão dos serviços e das ações de atenção primária à saúde indígena é vinculado diretamente à Sesai.
A SPDM manifestou interesse em trabalhar em 14 distritos: Altamira, Alto Rio Juruá, Alto Rio Purus, Araguaia, Cuiabá, Guamá-Tocantins, Interior Sul, Kayapó do Mato Grosso, Kayapó do Pará, Litoral Sul, Tapajós, Tocantins, Xavante e Xingu.
Já a Missão Evangélica Caiuá apresentará plano de trabalho para outros 15 DSEIs: Alto Rio Negro, Alto Rio Solimões, Amapá e Norte do Pará, Leste de Roraima, Médio Rio Solimões, Manaus, Maranhão, Minas Gerais e Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Médio Purus, Parintins, Porto Velho, Vilhena e Yanomami.
O Imip mostrou interesse nos seguintes DSEIs: Alagoas e Sergipe, Ceará, Pernambuco, Bahia e Potiguara.
No total, se inscrevam no processo seletivo 21 entidades. Apenas três comprovaram capacidade técnica e administrativa para realizar as ações e atenderam o disposto no artigo 32, da Lei nº 12.309, de 9 de agosto de 2010, “que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2011″.
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/visualizar_texto.cfm?idtxt=38039

Após protestos, Morales suspende construção de estrada na Bolívia


Após 40 dias de intensos protestos que se espalharam por todo o país, o presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou na noite desta segunda-feira a suspensão da construção de uma estrada que cruza uma reserva natural em áreas amazônicas até que um plebiscito ouvindo as partes envolvidas seja realizado. Construída pela brasileira OAS com financiamento do BNDES, a estrada, que tem 306 km e atravessa uma reserva de 1,2 milhão de hectares, deve custar US$ 415 milhões.

"Enquanto houver este debate nacional e para que os Departamentos [Estados] decidam, fica suspenso o projeto de estrada sobre o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure", destacou o presidente.



A estrada em questão é parte da rodovia que unirá os oceanos Pacífico e Atlântico e promoverá o comércio na América do Sul. O projeto é financiado pelo Brasil, com custo total de US$ 415 milhões. Os indígenas amazônicos, que rejeitam a estrada porque a obra atravessará o Tipnis, argumentam que a obra possa levar à ruína da reserva ecológica e à invasão da área por produtores de coca, planta base para fabricar cocaína.

A suspensão chega um dia após a violenta repressão de militares contra manifestantes, o que levou nesta segunda-feira à renúncia da ministra da Defesa, Cecilia Chacón, além de desencadear marchas e protestos em toda a Bolívia.


"Assumo esta decisão porque não compartilho a medida de intervenção da passeata feita pelo governo e não posso defender ou justificar essa ação", afirma a carta de renúncia enviada a Morales.

O presidente boliviano não revelou quando e como ocorrerá a consulta, mas funcionários do governo já tinham avaliado que tal processo exigirá de seis meses a um ano.

"Quero salvar um compromisso diante da história e do povo boliviano, especialmente diante dos Departamentos (de Beni e Pando), para que haja um debate nacional, um debate do povo boliviano, que decidirá".

"Que seja o povo a decidir, especialmente nos dois departamentos, o que o governo nacional já decidiu apenas cumprindo as leis e atendendo aos pedidos", destacou Morales.

PROTESTOS
Centenas de bolivianos se manifestam nesta segunda-feira com vigílias, concentrações e greves de fome, em diferentes cidades do país, contra a violência com que o governo dissolveu no domingo uma passeata de indígenas amazônicos.

Sindicados, associações indígenas, partidos de oposição e grupos ambientalistas e de defesa dos direitos humanos estão organizando mais protestos públicos para esta segunda-feira e para os próximos dias, incluindo uma greve nacional da COB (Central Operária Boliviana), a maior organização de trabalhadores do país. A praça de Murillo, em La Paz, onde estão a Presidência e o Palácio Legislativo, está fechada e tomada por centenas de policiais desde a madrugada para prevenir incidentes. Enquanto isso, os manifestantes começam a se agrupar em vários pontos da cidade.

Em Rurrenabaque, região onde os manifestantes indígenas foram reprimidos, a população tomou o aeroporto esta manhã para evitar que o governo envie os indígenas detidos a suas comunidades, informou o prefeito Yerko Núñez.


CRÍTICAS
A dispersão dos cerca de 1.500 manifestantes foi "um ato delitivo, ditatorial", disse o líder do Movimento Sem medo (MSM), Juan del Granado, à agência de notícias "ANF".

Centenas de agentes atacaram no domingo com gases e cassetetes o acampamento dos indígenas nos arredores de Yucumo, a mais de 300 km de La Paz. O subcomandante da polícia, general Oscar Muñoz, disse que os agentes atuaram porque foram ameaçados por nativos armados com setas.

Entretanto, o defensor público Rolando Villena afirmou que tem informações de que os agentes agiram quando os indígenas estavam a ponto de jantar. Villena exigiu que Morales interrompa o uso de violência contra os manifestantes, mesmo pedido feito pelo escritório da ONU em La Paz.

O protesto completou 40 dias no sábado, quando um grupo de mulheres reteve por mais de uma hora o chanceler David Choquehuanca, ação que o governo classificou como "sequestro", embora o próprio ministro tenha evitado usar esta palavra.

ITAMARATY
O Itamaraty divulgou nota nesta segunda-feira em que defende a construção da estrada financiada pelo Brasil.

"(...) Se trata de projeto de grande importância para a integração nacional da Bolívia e que atende aos parâmetros relativos a impacto social e ambiental previstos na legislação boliviana", afirma trecho do texto.

Em nota, o Itamaraty afirmou que recebeu "com preocupação" a notícia dos distúrbios na Bolívia e demonstrou apoio ao país vizinho.

"O governo brasileiro manifesta sua confiança em que o governo boliviano e diferentes setores da sociedade boliviana continuarão a favorecer o diálogo e a negociação na busca de um entendimento sobre o traçado da rodovia, tomando em conta a normativa interna boliviana e boas práticas internacionais relevantes, em benefício do desenvolvimento e da estabilidade da Bolívia", diz trecho da nota.

Fonte: Folha

Terceiro Indígena da mesma família é assassinado no MS

(1’15” / 293 Kb) - O indígena Teodoro Ricardi foi assassinado nesta quarta-feira (28), no município de Paranhos (MS). O crime ocorreu por volta das 19 horas. Depois de sofrer um espancamento, a vítima ainda foi encontrada viva por familiares.
Testemunhas afirmam que chegaram a tempo de ver os agressores e reconheceram que se tratava de pistoleiros. Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o grupo faz cerco diariamente à comunidade Y’poi, do povo Guarani Kaiowá, instalada na fazenda São Luiz.
Pai de cinco filhos, Teodoro tinha 25 anos. Era primo de Genivaldo Vera e Rolindo Vera, professores assassinados em agosto de 2009. O corpo do professor Rolindo até hoje não foi encontrado.
Os indígenas aguardam pela posse de suas terras desde 2007. Nesse período, o Ministério Público Federal se comprometeu a identificar e delimitar, até abril de 2010, 36 áreas consideradas tradicionais dos Kaiowá. Como a demarcação não ocorreu – em novembro do mesmo ano – a Justiça permitiu a permanência da comunidade na fazenda São Luiz até a conclusão dos estudos de identificação das terras.
De São Paulo, da Radioagência NP, Jorge Américo.

Boletim Combate ao Racismo Ambiental - 29/09/2011


“Meu partido político é o meu povo Kaiowa-Guarani”


Campo Grande, 29 de setembro de 2011
VALDELICE VERON, NO SEMINARIO PRÓ TRIBUNAL POPULAR DA TERRA EM MS


http://cptms.blogspot.com/2011/09/valdelice-veron-no-seminario-pro.html
Na platéia, o assombro das pessoas e o que está por chegar aos ouvidos, fogem dos limites da imaginação. Silencio espectral. A quietude contida na respiração. O seminário pró Tribunal popular da Terra no Mato Grosso do Sul atinge um dos seus momentos mais significativos. O auditório “A” da UCDB de Campo Grande no dia 24 de setembro foi o cenário de denuncias e proclamações. Uma mulher indígena, professora e filha de uma das tantas lideranças assassinadas no estado, faz um comovente depoimento. A missão dela não é fácil. Relatar como atuaram os órgãos do governo e os pistoleiros juntos em 13 de janeiro de 2003 na ação que terminou com a morte de seu pai Marcos Verón, até então cacique kaiowa-Guarani da terra indígena Taquara, município de Juti/MS. Naquela data, mais uma vez, pistoleiros atropelam a comunidade em busca de despejo, de violência. Valdelice Verón vai além. Contextualiza a luta de seu povo, de sua comunidade, de sua família nuclear extensa. Descreve com realismo e emociona-se com a forma cruel que mataram seu pai. E ainda esboça momentos atuais do sofrimento do povo Kaiowa-Guarani e de outros povos indígenas no MS por conta da violência, da discriminação e negação de direitos.
“Quando minha mãe ia nascer”
Valdelice sentença que quando sua mãe ainda estava na barriga de sua avó, seus ascendentes já se escondiam, fugiam e se espalhavam pelos matos para evitar ser caçado pelos jagunços e funcionários do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), órgão federal. Eram tempos de criação das oito reservas indígenas de Dourados. “Não perguntaram ao povo guarani se queria deixar suas terras tradicionais”.
Conta que vindo para Campo Grande como convidada a participar do Seminário, não longe da capital do estado, sobre a BR 163 avista um gigantesco confinamento de gados, que têm com destino o abate. E fala para o auditório: “assim que nos estamos jogados hoje nas reservas; como gados para sermos abatidos de várias formas todos os dias”. Lá por 1931 jagunços e o SPI não descansavam. A correria era grande. Ao mesmo tempo em que a mãe da Valdelice ia nascer uma tia dela estava grávida também. Saem da região da aldeia Teikue e entram em Lucero, região de Caarapó/MS. Despejos e perseguição contra esse povo indígena não tem trégua. O confinamento nas reservas era a ordem do momento. A Valdelice não tinha nascido ainda; sua mãe consegue se salvar. Sua tia morreu queimada viva!
“Fiz tereré para Lula”
O Grande povo Guarani foi reduzido nas oito reservas e a época do confinamento ganhou a sangue e fogo à época da liberdade. “Eu tinha seis anos quando Lula foi visitar meu pai na reserva e fiz o tereré para eles”. A história foi contada para quem iria ser o presidente da república.  Foi falado da crueldade do confinamento, do trabalho escravo, da discriminação dos “brancos”, da dependência da cesta básica. Tudo segue igual; o estado brasileiro não reverteu o genocídio causado nas terras indígenas. Os territórios Kaiowa-Guarani ao invés de serem retornados para seus legítimos donos seguem sendo moeda de troca do latifúndio, do agronegócio, do crime organizado, dos políticos corruptos e juízes venais.
Uma e outra vez; em 1953, 1960, 1997, 2001, 2003, a comunidade indígena de Taquara da qual Valdelice faz parte partiu para a retomada, tentando recuperar uma parte das terras de onde foram expulsos. Lembra a fala do pai dita em 1997, mas que foi repetida muitas vezes: “Vamos voltar a nossa terra tradicional”. E muitas vezes também foram espancados, despejados e jogados nas beiras das estradas. Em 2001 uma montagem foi orquestrada contra a comunidade para justificar um novo despejo. Acusaram aos indígenas de ter invadido e roubado alimentos de uma fazenda. Embora não tinham pegado um só grão a resposta dos pistoleiros, policias e advogados ao serviço dos fazendeiros foi brutal. Algemaram e cuspiram o Marcos Verón. Falaram para ele na hora do despejo: “você e seus cachorros nunca mais voltem aqui”.
“Todo o mundo em marcha de novo”
O depoimento da liderança Kaiowa-Guarani chega ao que seria a marcha final do cacique Marcos Verón, seu pai. Valdelice conduz aos presentes no auditório para um clímax surreal. O relato dela se ergue como nas centenas via sacra do pai a quem acompanhou desde criança. “Meu pai não queria que o acompanhasse, tinha medo de picada de cobras, mas eu igual o acompanhava”. Viu injustiças demais desde cedo que com justa razão não acredita em reparação alguma. “Não consigo acreditar na justiça; sempre experimentei a sensação de que somos como uma doença em nosso próprio território” desabafa mais uma vez durante seu depoimento.
“Vamos sair da beira da estrada; somos estrangeiros em nossa própria terra. Todo mundo em marcha até a nossa terra de novo”, foi o ultimo grito de guerra de Marcos Verón, em outro inicio de partida para a terra sem males. Foi em janeiro de 2003. A filha conta varias anedotas como símbolos premonitórios da tragédia que esperava à comunidade. Os guerreiros Kaiowa-Guarani já tinham feito a ultima retomada da terra tradicional. Convidado por organismos internacionais de direitos humanos Marcos Verón tinha visitado Estados Unidos e Europa, onde divulgou a luta de seu povo. Na sua ultima empreitada com os fazendeiros Verón fala a Valdelice da primeira noite na terra indígena de tantas voltas: “Filha, eu dormi melhor que em Nova Iorque e que na Itália, porque aqui é a nossa terra tradicional, é o nosso lugar. Quero que você repasse pelo mundo todo como é a vida tradicional dos kaiowa-Guarani”. No outro dia tira o cocar e entrega para a filha e fala: “Você vai para Dourados, ao MPF a comunicar sobre a nossa decisão, pois, esta é a nossa terra”. Naquele dia também pede animado que seja preparada chicha para ele tomar a bebida tradicional dos Kaiowa-Guarani. Um lobão, como presságio do iminente final aparece na fonte de água da comunidade e o animal se faz ver em corpo inteiro, com muita força, o que na cultura guarani não é um bom sinal.
Em quanto Valdelice estava em Dourados aonde foi levar a mensagem de seu pai ao Ministério Publico Federal, acontece o novo ato de barbárie contra a comunidade. O grande cacique Marcos Verón é assassinado pela milícia privada do latifúndio. Valdelice se informa do ataque na aldeia através do noticiário da televisão estando na sede da FUNAI. “Vi na televisão que tinham espancado meu pai”. Funcionários da FUNAI falam para ela: “teu pai só levou um tiro na perna, ele já saiu do hospital”. Quando chegou ao hospital e pergunta pelo pai falam para ela: “teu pai já chegou morto aqui”.
“Acho que até meu medo já mataram”
Na parte final de seu depoimento um silencio sepulcral se apodera do auditório. Ela continua falando do mesmo jeito do atual sofrimento dos povos indígenas em Mato Grosso do Sul, como se falasse ainda da mesma morte do pai. Condena duramente os ataques, as mortes, as violências que no contexto atual acontecem contra seu povo. Fala de ter perdido o medo de falar o que de alguma maneira o assusta porque “acho que mataram até meu medo por tantas coisas que já passei”. Sentencia: “Os brancos acham que ainda estou sendo pacificada, mas posso testemunhar que ainda somos uma ameaça para o sistema capitalista, o agronegócio, a FAMASUL, porque seguimos escrevendo a nossa própria história”.
Já tentaram subornar ela muitas vezes, comprar seu silencio, sua dignidade. Um prefeito recentemente convida-a a se afiliar no partido dele em troca de favores. Valdelice lhe responde: “O meu partido político é o meu povo Kaiowa-Guarani”.
No auditório da UCDB o silencio respeitoso se faz emoção, a denuncia se faz bandeira e luta, e a mulher guarani é aplaudida durante um minuto de pé...
Fonte: CPT/MS
                         

Tremembé rejeitam estrada em Itapipoca


Publicado em 29 de setembro de 2011 

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Adriana de castro (centro) e demais lideranças apontam impactos ambientais em estrada de Itapipoca 
THIAGO GASPAR
Comunidade indígena protesta contra construção de via que liga a Vila Marinheiros até a Barra do Mundaú

Fortaleza. Cerca de 38 famílias, que compõem a aldeia indígena Tremembé de São José, protestam, desde ontem, contra a construção de estrada em Itapipoca. A iniciativa é da administração municipal, mas a rejeição se dá por conta dos impactos ambientais apontados pelas lideranças locais e pela falta de diálogo com a comunidade, o que até o momento afirmam que não ocorreu.
Essa é a opinião da líder comunitária Adriana Carvalho de Castro, conhecida como Adriana Tremembé. Ela disse que a estrada, da forma como se encontra, já atende à aldeia indígena. No entanto, adverte que, indo mais além, haverá um futuro incerto para o meio ambiente, que deverá ser agredido pela movimentação turística esperada para a região. A estrada teve início na Vila dos Marinheiros, nas proximidades da Praia da Baleia. Atualmente, as obras se encontram na Vila São José, com a possibilidade de avançar até a Barra do Mundaú, totalizando uma extensão de 6,5 quilômetros num custo, que se fosse feito pela iniciativa privada, ficaria em torno dos R$ 600 mil.
"O nosso questionamento é que a estrada foi construída sem levar em conta os impactos ambientais e nem houve uma discussão com as famílias", disse Adriana Tremembé.
Máquinas paradas

Ontem, as máquinas estavam paradas nas imediações da Vila São José. Uma faixa havia sido estendida no corredor, com a população agradecendo pelo benefício, mas alertando para que houvesse um limite, caso contrário ocorreria graves danos ambientais, como salienta a líder.

"Nós agradecemos a estrada na medida do que já foi feito, porque facilita nosso acesso para outras aldeias e também antes as vias se tornavam intransitáveis durante a estação das chuvas", afirma Adriana.

Até o momento, toda a estrada é feita de forma carroçal e não há perspectiva de que haja a cobertura de asfalto, como temem as lideranças indígenas. Ela lembra que as terras estão em processo de demarcação e o problema dos limites dos territórios daquela etnia vêm sendo acompanhados pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Diálogo
O secretário de Obras, Nei Barroso, disse que as máquinas estão paradas, desde quando foram iniciados os protestos, fato que aconteceu na terça-feira passada. Ele informou que o prefeito João Barroso se comprometeu em conversar com os moradores de São José.
"Não há nenhuma postura autoritária. A estrada que fizemos foi para satisfazer a comunidade, que fez questão de nos agradecer pela iniciativa", disse Nei Barroso.
Ele explicou que todos os serviços estão sendo mantidos pela administração municipal.
"A ideia foi beneficiar, em primeiro lugar, os indígenas, porque sem uma via com condições mínimas de acesso ficavam impossibilitadas de tráfego ambulâncias, caminhões de abastecimento e até mesmo motocicletas", ressaltou o secretário de Obras de Itapipoca.

Constitucionalismo Indígena en América Latina (con especial consideración de Colombia

¿Hay constitucionalismo indígena? Sin duda. Haberlo, haylo. Se le verá si no se aparta ni se vicia la mirada. Es ante todo naturalmente el constitucionalismo creado por los pueblos indígenas mismos mediante sus planes, sus aspiraciones, sus empeños y sus prácticas. Derivadamente, pues es claro que se le vincula, puede considerarse constitucionalismo de tal pertenencia el componente indígena del constitucionalismo de Estados o la contribución al mismo por parte de dichos pueblos. Pero ¿existe realmente algo que pueda identificarse como elemento o factor indígena en el constitucionalismo de Estados a lo largo y a lo ancho de América Latina? Dale con el escepticismo. Espérese a que lo veamos. Es de eso segundo de lo que voy precisamente a ocuparme, pues para hacerlo de lo primero, de los planes, aspiraciones, empeños y prácticas indígenas de valor constitucional, no me siento facultado ni estoy autorizado.

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A PIOR ESCOLA DO BRASIL? Com 600 alunos indígenas, a Escola Estadual Pedro I ficou em último lugar no Enem

Fomos até o Alto Solimões, perto da fronteira com a Colômbia, conhecer a Escola Estadual Pedro I. Com 600 alunos indígenas, a escola ficou em último lugar no Enem porque, entre os estudantes, português é a segunda língua – e às vezes até a terceira –, atrás do ticuna e o espanhol. Um exemplo claro de como é complicado ter um mesmo currículo e um mesmo sistema de avaliação para o Brasil inteiro

21.09.2011 | Texto por Karla Monteiro Fotos Marizilda Cruppe
Marizilda Cruppe
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Assim caminha a juventude ticuna... São índios. Mas não adoram o Sol, a Lua, as estrelas, os animais, as árvores. Praticam, sim, com afinco, a religião batista, imposta por um missionário americano, o pastor Eduardo – provavelmente, Edward – que passou por ali, pelo Alto Solimões, a região mais isolada da Amazônia, no amanhecer dos anos 60. São brasileiros, amazonenses, porém, não assistem à novela das oito nem ouvem sertanejo universitário. Eles se ligam na TV colombiana e escutam música importada do país vizinho, que ecoa estrondosa dos casebres de madeira. Praticamente de todos ao mesmo tempo. O único sinal de que devem passear de vez em quando pela Globo é o penteado do Neymar enfeitando as cabeleiras escorridas e negras. E o time local: o Flamengo. Tanto meninas quanto meninos são fanáticos por futebol. Toda tarde tem pelada na quadra da escola. Não falam português fluentemente. As crianças nem sequer entendem. A língua dos bate-papos animados é o ticuna. Anasalado e sonoro. No entanto, são obrigados a aprender matemática, química, física, história, geografia etc. na língua pátria. Uma situação insólita, diga-se. Na língua que não dominam, o português, os jovens precisam ler e escrever – e prestar exames. E, na língua que dominam, o ticuna, também encontram limitações na leitura e na escrita, por tratar-se de uma língua de tradição oral. Assim caminha a juventude ticuna: soterrada numa salada de identidades. Perguntados sobre o que querem da vida, eles respondem que querem o mesmo que a maioria dos jovens: entrar na universidade.
– Meus pais falam pouco português. Estudaram pouco. O Enem difícil para mim. Eu não sabia entender. Não compreendia questões. Eu acho que se a prova fosse em ticuna, a gente muito melhor. Meu sonho é fazer medicina – diz Moacir da Silva, 25 anos, olhos colados no chão, português vacilante.
– Maior dificuldade matemática, química e história. Muito diferente da escola. A linguagem muito complicada também. Tinha que ter prova em ticuna. Facilitar muito porque a gente entende melhor, mesmo existindo pouco material escrito em ticuna. Não desisto. Eu quero fazer secretariado nível superior – comenta Rosilene Miguel Batalha, 23 anos, com um bebezinho de olhos brilhantes no colo. Ela também prestou o Enem em 2009.
– Quero estudar longe, em Manaus. Quero fazer informática. Estou fazendo curso livre em Santo Antônio. Todo sábado pego a canoa e vou. Fiz o Enem. Não consegui. Não somos burros não. Só não falamos a língua direito porque português não é a nossa língua – emenda Valdemir Crispim, 19 anos, também inscrito no Enem de 2009.
Dos 22 professores da escola, só oito são brancos. “não querem perder a Língua,aí fica difícil aprender melhor o português”
Em 2009, a Escola Estadual Pedro I, na aldeia Betânia, onde vivem 5 mil ticunas (estima-se que existam 32 mil ticunas vivendo no Alto Solimões, entre a Amazônia brasileira, colombiana e peruana), ficou na rabeira do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio. O colégio, uma construção sólida e espaçosa, semelhante a qualquer prédio de escola pública, frequentado por 600 jovens representantes da etnia, ostentou o último lugar, com média geral de 249, 25 pontos. A média na redação foi a menor: 40 pontos. E a maior, matemática, com 410, 49 pontos. O gestor do Pedro I é um índio miúdo, semblante sério, vestido distintamente, com calça social e camiseta da Seduc, a Secretaria de Estado de Educação do Amazonas. Com pós-graduação em pedagogia, ele garante: indo bem ou mal no Enem, a ordem nos corredores do seu reduto é perseverar. “A dificuldade dos nossos alunos é a língua. Mas temos quatro alunos que conseguiram a média do Enem e estão na faculdade em Tabatinga. Do meu ponto de vista, o exame é justo no sentido de testar a produção de conhecimento. Mas o Enem não reflete nem respeita a cultura amazônica. As escolas indígenas participam com toda coragem e boa vontade”, diz, também vacilando no português e desviando o olhar. “Queremos que os nossos jovens vão para a universidade porque a aldeia precisando de profissionais. Com toda desigualdade, bom ter Enem. Só pedimos que considere a nossa cultura. Temos 20 alunos inscritos no Enem de 2011. Em 2009, foram 58 e 40 fizeram a prova.”
Sem interesse no ENEM
Marizilda Cruppe
O corte estilo Neymar faz sucesso entre os jovens ticuna
O corte estilo Neymar faz sucesso entre os jovens ticuna
Segundo a representante na região da Secretaria de Estado de Educação do Amazonas, Suzete do Socorro, uma senhora atarracada e simpática, não há nenhum projeto ou discussão em curso sobre mudanças nas regras do Enem. A ordem é incrementar o português nas escolas indígenas. Desde o fatídico 2009, o ano do fracasso oficial, ela vem tentando. Ano passado a professora Adriele Fabiola, formada em letras pela Universidade Estadual do Amazonas, foi enviada à aldeia para um curso de quatro meses. As duas são categóricas no discurso: a situação é complicada. “Eles não querem professores brancos. Querem professores indígenas. Temos 22 professores na escola, só oito são brancos. Por um lado, têm razão. Não querem perder a língua. Mas aí fica muito difícil o aprimoramento do português, pois falam em ticuna na sala de aula”, comenta Suzete. “Na verdade, não se importam com o Enem. Fazem questão de se inscrever porque se conseguirem o mínimo de pontos estão dentro da UEA [Universidade Estadual do Amazonas] pelo sistema de cotas. O desejo deles é formar cada vez mais jovens para atuarem dentro da comunidade.” Adriele completa: “Trabalhei com o ensino fundamental e médio na aldeia. A língua portuguesa é uma segunda língua para eles. Não conseguem compreender a gramática, o vocabulário é limitado. Percebi que não adiantava dar uma aula clássica. Era preciso usar o entorno. Por exemplo: íamos para o jogo de futebol, e, na volta, eles tinham que narrar o jogo. Gostam de contar histórias. São bons em narrativas. Mas têm muita vergonha de falar e escrever em português. Eu não acho justo que tenham que concorrer com quem mora no Rio ou em São Paulo. O isolamento cultural é gigante”.
Cocaína, igreja e milícia
O isolamento é algo que não se discute. A aldeia Betânia localiza-se onde o vento faz a curva. Para chegar lá, navegar é preciso. Saindo de Manaus, há duas maneiras. As lanchas rápidas levam entre 20 e 30 horas para atingir Santo Antônio do Içá, a cidadela ribeirinha mais próxima de Betânia. Viaja-se em bancos não reclináveis. Comparando os assentos, é quase como passar uma noite e um dia aboletado num coletivo urbano. O serviço de bordo é eficiente, animado e musical: arroz, macarrão, farinha, Coca-Cola e sertanejo universitário. O preço do ticket, alto: R$ 390, uma perna. A outra maneira de viajar é mais romântica: os barcos chamados de recreio, com suas redes dependuradas ao vento. A viagem dura, porém, cinco dias e cinco noites. O preço: R$ 200 de rede e R$ 600 de camarote. Na ida, nós demos sorte. Ou nosso azar virou sorte. Por conta do atraso aéreo no voo Rio-Brasília-Manaus, perdemos a lancha rápida. Como castanheiras e mognos, fomos salvas pelo Greenpeace, que nos conseguiu vaga num “aeromédico”. A bordo, um médico gaúcho e uma enfermeira cabocla que se encaminhavam para o salvamento de um índio que sangrava por 29 perfurações. Vigia de uma balsa que trafega no Alto Solimões, ele havia sido atacado por piratas. Sim, piratas existem. Na volta, encaramos o rio. A paisagem compensa tudo. De Santo Antônio do Içá até a aldeia, porém, ainda tem chão. Ou água. Aluga-se uma voadeira por R$ 200 a viagem. O caminho é o seguinte: desce o Solimões por meia hora; pega um atalho pelo rio Paraná de São Félix; penetra no rio Içá. E, mais meia hora depois, avista-se a aldeia Betânia, num recanto paradisíaco e dominado pelos traficantes de cocaína da Colômbia. Subindo o Içá mais quatro horas, já é território colombiano. De acordo com os índios, o rio tornou-se rota alternativa da droga.
Nossa primeira impressão da aldeia Betânia foi tensa. Na margem do Içá, onde atracam as voadeiras, uma cena emblemática: um índio jovem, de menos de 30 anos, com o rosto sangrando, algemado, cercado por vários outros índios trajando camiseta preta com a sigla SPI (Serviço de Polícia Indígena). Em volta, dezenas de curiosos, muitas crianças. Ali começamos a descobrir um lugar – de fato – à parte. A aldeia começou a se formar em 1961, pelas mãos do pastor Eduardo, o tal missionário americano da igreja Batista. O pastor Modestino Domingos da Silva, um dos cinco pastores indígenas que hoje zelam pela alma dos ticunas, tem a história na ponta da língua. “Eu tinha 12 anos. Nessa época, os ticunas viviam espalhados. O pastor Eduardo chegou e foi juntando a gente. No primeiro acampamento éramos só 60. A primeira construção foi a igreja. Em 1962, houve o primeiro batismo. Daí para frente, veio ticuna de tudo quanto é lado”, conta ele. “Os ticunas viviam enfrentando várias guerras, morrendo. Hoje somos 5 mil moradores e 90% é batista. Nossa comunidade é organizada e ordeira.”
O cacique segue as leis da igreja. É proibido fumar, beber, praticar rituais indígenas com plantas, usar brincos... Para botar ordem, os ticunas criaram a própria polícia, uma espécie de milícia formada por voluntários. O delegado Domingos Francelino Pereira é uma grande figura local. Ao lado do preso do dia, acusado de abuso de álcool, ele levantou a camiseta para nos mostrar dois cortes de terçado no peito, conquistados na luta para prender o jovem beberrão. “Antes tinha violência de todo tipo, até estupro. Um dia descobrimos uma plantação de cocaína. Os traficantes estavam obrigando nossos jovens a plantar. Foi aí que criamos a nossa polícia. São 120 voluntários”, explica o “delegado”. “Ainda temos problema de alcoolismo. É ruim para os povos indígenas cervejas, essas coisas. Índio bebe e sai gritando, ameaçando vizinho. E também tem cocaína. Os traficantes vendem papeletas aqui, na porta. Quando formamos a nossa polícia, todo mundo falou mal na televisão. Chamaram a gente de milícia. Nós não somos milícia, não. Somos filhos da terra e queremos proteger os nossos filhos. Quem vai proteger?” Na delegacia, Seu Domingos mantém até um pau de arara. “Não é violência. É pra corrigir”, garante.
Marizilda Cruppe
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Flagrante do dia a dia dos ticuna
Adentrando a aldeia Betânia, descobre-se um povoado simpático, limpo, organizado, ordeiro, como bem falou o pastor Modestino. As ruelas são calçadas de cimento. Os casebres, feitos de madeira, caprichados e aconchegantes. Por todo lado, há árvores e flores para enfeitar. A Escola Estadual Pedro I é o prédio mais imponente do vilarejo, fica na parte alta da aldeia. No nosso primeiro dia na Betânia, era feriado pela morte do pastor Jordão, outro americano que andou por ali. No colégio encontramos apenas um professor, de geografia, o Saturnino Jesuíno, um índio magrelo e falante. Ele conseguiu concluir o magistério graças a uma instituição localizada em Benjamin Constant, na Tríplice Fronteira, chamada Organização Geral dos Professores Ticunas Bilíngues (OGPTB). Trata-se de uma associação criada em 1994, reconhecida pelo MEC, que forma e congrega mais de 400 professores indígenas que atuam em escolas das aldeias ticuna do Alto Solimões. A OGPTB organizou um dicionário ticuna e está traduzindo livros didáticos para o idioma indígena. “Fiquei cinco anos estudando lá. E consegui fazer o curso superior de magistério. O que nós defendemos é o ensino interdisciplinar, que mistura o saber convencional com o saber cultural”, diz Saturnino, um dos poucos fluentes em português na Betânia. “Há dois ou três anos, todos os professores eram de fora da aldeia. A OGPTB foi formando professores indígenas e o quadro mudou. Nossa escola é muito boa. Tem um ponto de internet. Há dois anos, temos eletricidade. Nosso problema é a língua. De Tefé a Tabatinga, predomina a etnia ticuna. Eu acho que justifica lutar por uma universidade ticuna. A maioria dos índios perdeu a língua. Nós não.”
TV e pavio curto
Na manhã seguinte, as ruelas de Betânia amanheceram coloridas de estudantes. Os miúdos indo para as duas escolas municipais de ensino fundamental. E os adolescentes, para o Pedro I. Calças jeans enfeitadas, cabelos incrementados, assim caminha a juventude ticuna: calçada com tênis da moda. O dia era de teste, simulado do Enem. E o dia também era de ensaio do desfile de 7 de Setembro. Ou seja, dia movimentado na aldeia. No Pedro I, há duas turmas inseridas no Ensino Médio Mediado por Tecnologia, um programa do Governo Estadual. Os alunos assistem às aulas na TV, que são gravadas em Manaus e enviadas via satélite. O professor eletrônico não faz sucesso. “Não consigo entender e não consigo copiar da tela. É muito rápido. Falo pouco português. Mas quero ser médica”, diz Laíde Alexandre Batalha, uma bela índia de 20 anos. “É interessante, mas é rápido demais. Eu assisto às aulas no computador e depois peço ao professor para me explicar tudo de novo”, completa Loila Carvalho Crispin, 25 anos, que precisou de tradutor para dar entrevista.
A manhã animada terminou com uma rodada generosa de bodó, um peixe típico da região do Alto Solimões. Assado na brasa, com farinha e pimenta-verde. A fartura era fruto do suor do dia anterior. O gestor da escola, Fanito, levou as oito professoras brancas para pescar. Elas moram na “casa dos professores” e, longe da vista dos colegas indígenas, reclamam o tempo inteiro da falta de estrutura da escola e de boa vontade dos ticunas com o português. “Sinto falta de livros, mapas, imagens, recursos visuais. Não tem nada. Meu único recurso é falar para uma plateia que não me entende”, diz uma. “Eles leem com tanta dificuldade que demoram um ano para ler um livro. E temos que ir com calma, porque os alunos se irritam. A comunicação é difícil. Índio tem pavio curto”, comenta outra. “Querem só aula em ticuna. Mas não existe material didático em ticuna. Uma loucura isso aqui. A gente fica batendo na tecla de que o português tem que ser a língua falada na escola. Mas eles se ofendem, acham que estamos desmerecendo a língua deles”, rosna uma terceira. No dia a dia, porém, todos se entendem, principalmente em torno de um banquete de bodó. “Levei elas para pescar porque estou criando um regulamento. Os professores indígenas têm que falar pelo menos um pouco de português na sala de aula. E os não indígenas precisam saber um pouco de cultura e da língua ticuna”, encerra Fanito.
Foto: Marizilda Cruppe
Foto: Marizilda Cruppe
Fonte: http://revistatrip.uol.com.br/revista/203/reportagens/a-pior-escola-do-brasil.html