quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Representação dos Potiguara do RN no Ministério Público Federal

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO RIO GRANDE DO NORTE.

AILTON DE ARAÚJO, brasileiro, convivente em união estável, pescador, RG nº 1161964, SSP/RN, inscrito no CPF/MF sob o nº 737.645.904-91, ANTÔNIO DO NASCIMENTO FILHO, brasileiro, solteiro, pescador, RG n. 1748919, SSP/RN, CACILDA MARIA PESSOA JERÔNIMO, brasileira, viúva, aposentada, RG n. 001566141, SSP/RN, inscrita no CPF/MF sob o número 596.863.674-20, JOÃO DOS SANTOS NETO, brasileiro, casado, pescador, RG n. 001720076, SSP/RN, inscrito no CPF/MF sob o número 027.216.644-84, MANOEL LEÔNCIO DO NASCIMENTO, brasileiro, casado, Voluntário do projeto TAMAR, e OSMAR JERÔNIMO, brasileiro, solteiro, educador, RG 2211710, SSP/RN, todos Indígenas POTIGUARAS, residentes e domiciliados na Praia de Sagi, Município de Baía Formosa, vêm à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seus advogados e procuradores ao fim assinados (procuração em anexo – doc. 01) apresentar REPRESENTAÇÃO em face da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI, pessoa jurídica de direito público, com sede em Brasília no SEPS Quadra 702/902 Projeção A, Ed. Lex 70.390-025 - Brasília/DF  - Telefone: (61) 3313-3500, pelos fatos e fundamentos jurídicos que passam a expor para ao fim requerer:

I – DOS FATOS
01. Os requerentes são Indígenas Potiguaras e ocupam tradicionalmente o Território da Comunidade de Sagi (e seu entorno), última praia do litoral sul do Estado do Rio Grande do Norte, no Município de Baía Formosa;
02. Os Estados do Rio Grande do Norte e Piauí foram os últimos a reconheceram oficialmente a presença de Povos Indígenas em seus territórios. Natal sediou de 11 a 14 de dezembro de 2009, a I Assembleia Indígena do Rio Grande do Norte, cujo tema foi Reconstruindo a Cidadania Indígena. Para a realização do evento a FUNAI contou com o apoio fundamental do Grupo Paraupaba da Questão Indígena no RN, que acompanha as Comunidades do RN desde 2005 (relatório de atividades do Grupo Paraupaba – anexo 02). A assembleia aconteceu no Hotel Belo Mare e contou com a presença de várias lideranças das Comunidades Potiguaras do Rio Grande do Norte e Paraíba, além de representantes de diversas entidades ligadas a causa indigenista (Relatório FUNAI e relatório Grupo Paraupaba – anexos 03 e 04);
03. Os problemas apresentados pelas Comunidades Indígenas durante a Assembleia Indígena foram semelhantes, em especial a necessidade urgente de Demarcação Territorial das Terras Indígenas no Rio Grande do Norte. Os representantes da Comunidade de Sagi relataram a perseguição pela qual vinham passando, praticada pelo Sr. Waldemir Bezerra de Figueiredo, presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Rio Grande do Norte;
04. Em março de 2007, representantes do empresário se reuniram com aproximadamente 50 (cinquenta) pessoas da Comunidade de Sagi para informar que havia adquirido o imóvel denominado Fazenda Sagi, com uma área de 75 (setenta e cinco) hectares. Segundo os representantes, o Sr. Waldemir sabia que a área era ocupada e por tal razão gostaria de propor um acordo, consistente na assinatura de Contrato de Comodato onde os agricultores continuariam na área e quando o empresário solicitasse o terreno às pessoas seriam indenizadas de acordo com as benfeitorias. Vale ressaltar que na área da Fazenda Sagi encontra-se o cemitério da Comunidade, local onde constam sepultamentos datados de 1908. Os ocupantes negaram a proposta de “acordo”, ao que foram informados de que sairiam pela força da justiça. Ato contínuo o empresário contratou um vigia que passou a exercer a função de informante de todos os passos dados pelos requerentes e demais ocupantes, além de ajudar na identificação dos ocupantes para fins de ajuizamento de ação;
05. Com o resultado da reunião, o empresário que também é Presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Rio Grande do Norte, promoveu a instauração de Inquérito Policial na Delegacia de Polícia de Baía Formosa (processo n. 0001772-71.2007.8.20.0114, Comarca de Canguaretama) alegando ser vítima de crime ambiental decorrente de queimadas na Fazenda Sagi, de 75 hectares, que alega ser proprietário desde 2005. Além disso, ajuizou ação de reintegração de posse (0001002-78.2007.8.20.0114, Comarca de Canguaretama) em desfavor das pessoas que conseguiu identificar. Após audiência de justificação realizada pela, na época Juíza Substituta, o Juiz Titular concedeu liminar consistente na reintegração de posse do autor. A decisão interlocutória foi cassada liminarmente e depois no mérito, por meio do Agravo de Instrumento interposto pelos requerentes;
06. Em 11/02/2010, por ocasião de audiência de conciliação da reintegração de posse, os requerentes arguiram matéria de ordem pública por meio da petição de EXCEÇÃO DE INCOMPETENCIA (petição inicial de Exceção de Incompetência – anexo 05), alegando que as terras em disputas se tratavam de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, nos termos do art. 231 e parágrafos da Constituição Federal de 1988. A Juíza Dra. Daniela Cosmos, que assumiu a comarca em 24/03/2011, determinou que a FUNAI fosse oficiada, o que restou concretizado nos seguintes termos:
A Excelentíssima Senhora
Drª.MARIA AUXILIADORA CRUZ DE SÁ LEÃO
M. D. Diretora de Proteção Territorial
FUNAI - FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO
SEPS - Quadra 702/902 - Projeção A - Ed. Lex
Brasília-DF CEP 70390-025

Ao cumprimentá-lo cordialmente, sirvo-me do presente para que informe a este Juízo, no prazo de 20 (vinte) dias, sobre se efetivamente as terras em disputa (abaixo descritas) tratam-se de terras indígenas, tendo em vista a instrução dos Autos da Ação de Reintegração / Manutenção de Posse nº 0001772-71.2007.8.20.0114 tendo como Requerente WALDEMIR BEZERRA DE ARAÚJO contra Cacilda Maria Pessoa e outros.

Fazenda SAGI, situada no município de Baía Formosa/RN

Solicito, ainda, que informe a este Juízo, no prazo citado, quais as terras declaradas indígenas no município de Baía Formosa/RN, para fins de instrução processual. Atenciosamente,
Daniela do Nascimento Cosmo
Juíza de Direito
            07. Em resposta ao ofício do Juízo da Comarca de Canguaretama/RN, a Diretora de Proteção Territorial da FUNAI, MARIA AUXILIADORA CRUZ DE SÁ LEÃO, por meio do ofício nº 453/DPT (em anexo), de 28/06/2011, assim se manifestou:
Trata-se de solicitação de informações do Poder Judiciário do Rio Grande do Norte, encaminhada por e-mail à FUNAI em 08.06.2011, sobre se a área em disputa (Fazenda Sagi) na ação supraidentificada incide sobre terra indígena. Solicita-se ainda a lista de terras declaradas no Município de Baía Formosa, para fins de instrução processual, referentes à reintegração em comento. Em resposta à solicitação urgente informamos o que segue:
Até o momento não existem terras indígenas declaradas no Município de Baia Formosa no estado do Rio Grande do Norte. Contudo, tal fato não afasta a hipótese de existirem terras ocupadas por povos indígenas e que merecem proteção seja como terra tradicional (art. 231 da Constituição Federal) ou como terras reservas (lei 6001/73) (...).
(...) informamos que as reivindicações formalizadas são cadastradas no Sistema de Terras Indígenas da FUNAI e que, até o momento, não reivindicação no Município em Comento cadastrada. Não obstante, temos notícias de indígenas que levaram a conhecimento de servidores da Coordenação Regional da FUNAI em Fortaleza sobre retomadas indígenas de seus territórios e sobre ameaças por parte de especuladores imobiliários, sem, contudo proceder à formalização da reivindicação (...).

08. As informações acima transcritas foram suficientes para a Juíza da Comarca de Canguaretama proferir decisão julgando IMPROCEDENTE a Exceção de Incompetência e condenando os requerentes ao pagamento das custas processuais. Ocorre, porém, Excelência que, conforme relatado e demonstrado acima, a FUNAI não só tem conhecimento da existência de Indígenas Potiguaras em Sagi, como também do seu respectivo pleito para demarcação territorial. Basta analisarmos os seguintes fatos:
a) A FUNAI realizou no período de 11 a 14/12/2009, no Hotel Belo Mare em Natal/RN, a I Assembleia Indígena do RN, da qual participaram os seguintes delegados indígenas da Comunidade Sagi/Travada:
01. Osmar Jerônimo;
02. Manoel Leôncio do Nascimento;
03. Antônio Nascimento Filho
04. Gilvan dos Santos
05. Cacilda Maria Pessoa Jerônimo
06. Temistóclis Inacio da Silva
07. José Carlos Leôncio do Nascimento.
08. UIlton do Nascimento
b) Consequência da realização da primeira assembleia foram os relatórios oficiais do evento. Tanto a FUNAI quanto o GRUPO PARAUPABA produziram seus respectivos relatórios (anexos 03 e 04), que constam a urgência no pleito para demarcação territorial;
c) Por ocasião da I Assembleia Indígena do RN foram eleitos dois representantes no Rio Grande do Norte para assumirem a Coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME. Os eleitos foram: Tayse Michelle Campos da Silva (titular), Potiguara dos Mendonças do Amarelão, situada no Município de João Câmara; e Osmar Jerônimo (suplente), Potiguara de Sagi/Trabanda. Em 22/11/2010, a coordenadora da APOINME no RN, Tayse Campos, enviou fax (requerimento e comprovante de fax – anexo 07) para o Gabinete do Presidente da FUNAI e para a Diretora de Proteção Territorial da FUNAI, MARIA AUXILIADORA CRUZ DE SÁ LEÃO, a mesma que respondeu o ofício ao Juízo de Canguaretama, nos seguintes termos:
Senhora Diretora,
Nós, Povos Indígenas do Rio Grande do Norte vimos por meio desta solicitar a inclusão das Terras Indígenas Catu – Canguaretama, Catu – Goianinha, Sagi – Baía Formosa, Cablocos – Açu, Bangue – Açu e Amarelão – João Câmara do Rio Grande do Norte no Sistema de Terras da Diretoria de Proteção Territorial da FUNAI.
Em vários momentos de discussão deixamos clara nossas demandas e nossa necessidade de dar início, com urgência, ao processo de reconhecimento e regularização de nossas terras.
Pelos motivos acima citados, deixamos clara a nossa necessidade em sermos incluídos no Sistema de Terras da DPT.
Ficamos à disposição para as informações e providências que se fizerem necessárias.
Desde já gratos pela atenção, subscrevemo-nos,
Atenciosamente,
Tayse Michelle Campos da Silva
Coordenadora da APOINME no RN (grifamos).
            d) No ano de 2009, o Administrador Executivo Regional da FUNAI na Paraíba, o servidor Petrônio Machado Cavalcanti Filho, esteve na Comunidade de Sagi reunido com suas lideranças. Vale ressaltar, Excelência, que foi o mencionado servidor que articulou o contado dos servidores da FUNA-DF com este procurador, conforme pode ser aferido pelos diversos e-mails anexados (e-mails entre Luciano R Falcão e os servidores da FUNAI-DF – anexo 08);
09. Todo o apoio para organização das Comunidades Indígenas do RN e inserção nas Políticas Públicas estava sendo viabilizado pela Administração Executiva da FUNAI na Paraíba, até a publicação do Decreto Presidencial n. 7.056/09, de 28/12/2009, que reestruturou o Órgão Indigenista Oficial. Com a reestruturação as Administrações Executivas foram extintas e criadas as Coordenações Regionais e as Coordenações Técnicas Locais. A Coordenação Técnica Local (CTL), da FUNAI no RN foi criada em maio de 2011, oportunidade em que fora nomeado o servidor MARTINHO ANDRADE para o Cargo de Coordenador. A CTL/RN da FUNAI está funcionando provisoriamente numa sala cedida pelo IBAMA. Já a Coordenação Regional em Fortaleza tem como Coordenador o Servidor Paulo Fernando Barbosa da Silva, funciona na Rua Abílio Martins 805, Bairro Parquelândia - Fortaleza/CE CEP 60.455-470, telefones (85) 3223-6585, 3223-3788/4734 e
Fax (85) 3223-5493;
            10. O processo de reestruturação do Órgão Indigenista Oficial foi controvertido, tendo gerado inclusive um movimento de ocupação da sede da FUNAI em Brasília-DF, em janeiro de 2010, ocasião em que participaram Indígenas da Paraíba do Rio Grande do Norte. Com a restruturação da FUNAI, as Comunidades Indígenas do RN e da Paraíba ficaram praticamente desassistidas. No caso do Rio Grande do Norte a situação foi um pouco pior porque a FUNAI veio se estabelecer em 2011 pela primeira vez no Estado após muitos anos de luta. Finalmente caiu o mito de que no Rio Grande do Norte e no Piauí não existem mais índios;
            11. Não bastasse o histórico de violação de direitos praticados contra os Povos Indígenas desde a invasão europeia há 511 anos, o Órgão Indigenista Oficial que deveria tutelar os direitos e interesses dos Povos Indígenas impõe como condição para iniciar o procedimento de demarcação territorial o preenchimento de um roteiro de qualificação de reivindicações. Pior do que isso é não reconhecer a presença indígena na Comunidade Potiguara de Sagi após ter patrocinado a realização da I Assembleia Indígena do RN, que teve como delegados 08 (oito) representantes de Sagi;
12. A audiência de instrução e julgamento para a ação de reintegração de posse foi designada para o dia 28/09/2009, às 8h e 30min. Além disso, o roteiro de qualificação de demandas para o início do Procedimento Administrativo de Demarcação de Terra Indígena já foi remetido para a FUNAI com a respectiva carta da comunidade (roteiro de qualificação de demanda e carta da comunidade: anexo 09).

II – DOS REQUERIMENTOS
13. Diante de todo o exposto e considerando a missão constitucional do Ministério Público, vêm os requerentes pleitear o que se segue:
a) A intervenção desta Procuradoria dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte na defesa dos direitos territoriais da Comunidade Potiguara de Sagi/Trabanda, com fundamento no art. 231 da CF de1988;
b) Que o ilustre representante do MPF se reúna com a Comunidade de Sagi/Trabanda na própria comunidade para fins de promove a inspeção da área em litígio, bem como, ouvir os argumentos dos Potiguaras;
c) Que a FUNAI seja RECOMENDADA a instaurar o PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA SAGI TRABANDA.

Em anexo segue um rol de documentos que subsidiarão toda matéria de fato e de direito alegadas.

Termos em que,
Pede deferimento.
 

Natal/RN, 10 de agosto de 2011.

Luciano Ribeiro Falcão
OAB-RN 6115





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